Abuso sexual: ninguém merece. Mas o que podemos fazer para mudar isso?
 
02Apr

Abuso sexual: ninguém merece. Mas o que podemos fazer para mudar isso?

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Claudio Herique

 

Na semana passada, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgou uma pesquisa que revelou claramente o comportamento machista dos brasileiros. Entre todas os itens abordados, o que chamou mais a atenção foi a afirmação de que “as mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”, apoiada por 65% dos entrevistados. 

 

Imediatamente após a publicação da pesquisa na imprensa, as reações foram as mais diversas possíveis. Famosos e anônimos correram para as redes sociais para mostrar seu repúdio (e obviamente, não deixavam de ter razão), campanhas foram lançadas como forma de protesto, mas confesso que não entendi o porquê da pesquisa causar tanta repercussão. Basta visitar as estatísticas sobre violência sexual no Brasil para ver que o resultado é mais ou menos coerente, embora não existam até hoje dados oficiais sobre o número de estupros de mulheres no País.

 

O Ministério da Saúde, por exemplo, divulgou que em 2012 somente o SUS (Sistema Único de Saúde) atendeu 18 mil mulheres com indícios de violência sexual – uma média de dois casos por hora. Esse é apenas um indicador, pois não leva em conta os casos de violência nos quais a mulher não procurou atendimento médico ou foi atendida numa unidade de saúde privada. A estatística foi divulgada no início de março, mas acabou passando despercebida por boa parte da mídia.

 

Talvez o número de 65% tenha assustado. Naturalmente, a leitura não é a de que temos 65% de tarados em potencial, mas esse índice escancara o preconceito contra as mulheres. A imprensa deu amplo destaque à pesquisa, as pessoas se manifestaram nas redes sociais, mas não vi ninguém discutindo um tema que para mim é o mais importante: o que é que todos nós podemos fazer para mudar essa realidade?

 

Acredito que alguns fatores contribuem para esse resultado. Um deles, que talvez não seja o principal, está diretamente ligado à atuação do Estado em relação à violência social. Sem dúvida, a certeza da impunidade é um dos fatores que abrem o caminho para aqueles que praticam atos de abuso contra as mulheres. A existência de comunidades no Facebook de pessoas que ”trocam experiências” sobre assédios realizados dentro do transporte público mostram bem essa triste realidade brasileira. Infelizmente, isso é algo que não podemos mudar, pelo menos a curto prazo.  

 

Alguns mencionaram a “licenciosidade e a libertinagem crescentes” como fatores estimulantes. Foi o que escreveu, para o meu escárnio (e de todas as pessoas de bom senso), o colunista da Revista Veja, Rodrigo Constantino, que ainda teve a coragem de afirmar que “seria recomendável, sim, que as moças apresentassem um pouco mais de cautela, mostrassem-se um tiquinho só mais recatadas, e preservassem ligeiramente mais as partes íntimas de seus corpos siliconados. Não tenho dúvidas de que “garotas direitas” correm menos risco de abuso sexual”, sentenciou o rapaz.

 

Relacionar a violência contra as mulheres com a forma como elas se comportam ou se vestem é uma visão que nos aproxima mais da Idade Média do que do Século XXI e somente reforça ainda mais a cultura machista. Se isso fosse verdade, não haveria qualquer registro de abuso nos países árabes, onde as mulheres andam cobertas da cabeça aos pés. Também não ocorreriam atos de violência contra crianças, que neste caso, atingem tanto meninos quanto meninas.  

 

A cultura ainda muito machista no Brasil, sem dúvida, é a principal explicação. Vale a pena ler as respostas das 16 perguntas da pesquisa para ter uma boa ideia de como os brasileiros enxergam as mulheres. Nem todas as respostas são desanimadoras – apenas 20% dos homens acreditam que a questão da violência contra as mulheres não é um assunto importante e mais de 90% apoiam a ideia de que homem que bate em mulher deve ir para a cadeia – mas elas mostram que o caminho a ser percorrido em busca da igualdade ainda é longo. (para ler a pesquisa completa, clique no link: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/16-perguntas-que-revelam-o-que-brasileiro-pensa-das-mulheres)

 

É exatamente nesse quesito que podemos fazer algo que está ao nosso alcance para tentar mudar essa realidade, pelo menos para as próximas gerações: a educação dos nossos filhos. A igualdade entre meninos e meninos resultará, no futuro, na igualdade entre homens e mulheres. E sobretudo, no maior respeito à mulher. Se queremos construir uma sociedade com menos preconceito e discriminação, essa é uma tarefa que deve começar em casa.

 

Muitas vezes, mesmo sem perceber, acabamos transmitindo aos nossos filhos alguns conceitos que não os ajudarão muito nesse sentido. Quer um exemplo? Se você ensina a seu filho que chorar é coisa de menina, o que você estará dizendo a ele é que meninas são mais fracas que os meninos. Às vezes, as mulheres são mais sensíveis, é verdade. Mas deixe que seu filho perceba isso quando ele for mais grandinho. E no almoço de domingo? Após a refeição, as mulheres sempre limpam a cozinha e os homens vão assistir televisão? Talvez esteja na hora de rever alguns conceitos e costumes...

 

Tomo a liberdade de apontar aqui alguns exemplos, mas não tenho a pretensão de estabelecer um “pequeno manual da igualdade para crianças”, até mesmo porque, como todo pai, tenho meus acertos e meus erros. Apenas acho que vale a pena fazer a reflexão sobre esses pontos. E confesso: se eu não fosse pai de uma menina, talvez nem prestasse muita atenção a eles, mas hoje procuro me policiar o tempo todo. E torço para que aqueles que educam seus meninos também tenham seus cuidados.

 

1.    Dê o exemplo. Se você, pai, quer ensinar que meninos e meninas devem dividir as tarefas domésticas, é bom começar a ajudar sua esposa nesse sentido. Procure também auxiliar no cuidado com os filhos. Ajudá-los a se arrumarem para ir à escola e a fazerem seus deveres de casa é um bom começo. Aparecer em alguma daquelas reuniões da escola também não irá fazer mal. E você, mãe, arregace as mangas e pare de pegar no pé do marido para que ele faça aquele conserto na casa que você já pede há mais de um mês. Se arrumar a torneira da pia que está vazando é uma tarefa complicada demais, procure pelo menos trocar a lâmpada do corredor.

 

2.    As brincadeiras podem ser um bom exemplo para ensinar igualdade. Um pai não precisa comprar uma boneca para o filho. Mas não deve encarar como o final do mundo se ele for brincar com a boneca da irmã. O mesmo se aplica às meninas, se quiserem brincar de carrinho ou jogar futebol. Procure acabar com o conceito de brincadeira “de menino” e “de menina”. Acredite, não será isso que irá influenciar na sexualidade de seus filhos no futuro.

  

3.    Procure estabelecer tarefas igualmente. Outro dia eu li uma frase de uma pedagoga que define muito bem essa situação. Não ensine sua filha que ela deve ajudar a mãe na cozinha enquanto o menino vai jogar futebol com o pai. Ambos devem ajudar na cozinha e depois, podem ir brincar ou jogar futebol juntos, se for o caso. Evite uma divisão de tarefas “masculinas” e “femininas”. Ajudar a lavar o carro na garagem pode ser divertido para ambos, certo?

 

4.    Ensine o respeito. Sempre. As crianças nos observam o tempo todo. E procuram repetir cada gesto nosso. Por isso, pense duas vezes antes de praticar um ato de desrespeito ou de preconceito na frente de seus filhos, por mais que você não tenha tido essa intenção. Se você é daqueles que vive xingando os outros no trânsito, por exemplo, não espere que seu filho faça diferente, mesmo que ele não esteja dentro de um carro. Procure também promover, desde cedo, o respeito à diversidade, seja ela de raça, religião, classe social ou opção sexual. Criar um filho é a melhor oportunidade que temos para revermos alguns conceitos e nos tornarmos pessoas melhores.   

 

5.    Acabe com os preconceitos e estereótipos. Procure eliminar do seu dia-a-dia expressões do tipo “lugar de mulher é na cozinha”, “rosa é cor de menina” ou “mulher não sabe dirigir”. Elas apenas reforçam a ideia de que existem papéis predefinidos na sociedade para homens e mulheres, o que não se aplica mais ao século XXI.


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